29 de abril de 2008

A cura, a purga, a salvação - não as desperdicem

Existem momentos, verdadeiros momentos de iluminação, em que a genialidade de uma revelação arrebatadora consegue iluminar um quarto às escuras. Ou uma aldeia pequena, abandonada aos gatos e sem electricidade.

São aqueles momentos em que nos apercebemos, em que me apercebi, que tudo é auto-infligido e, portanto, parte de uma escolha. A dor, a anorexia mental e física, o sofrimento e a vitimização do eu são tudo mecanmismos que se auto-decidem, se auto-regulam na aparente confusão.

É emocionante descobrir, sem choque nem repulsa, que me rijo em volta de entranhas e bárbaros flashes emocionais, como quem fotografa uma feira de enchidos. A cada dia que passa, vou conseguindo, com alegre e galopante facilidade, rodear o meu pulso com o polegar e o mindinho. A cada dia que passa, vejo o meu ventre a tomar os contornos de uma Eva quinhentista, enquanto as costelas se tornam mais salientes e é possível contá-las com o olhar.

Que ninguém me toque pois a minha pele está áspera, como o meu carácter. Que ninguém ouse aproximar-se com pedidos de intimidade; seria como violar um cadáver. Que ninguém procure o meu cheiro. Só já se sentem os ciprestes e os crisântemos.

Que ninguém conspurque a minha campa rasa de mármore pois nela está selada toda a raiva e todo o desiquilíbrio que não puderam ser arremessados contra qualquer massa humana.

Que ninguém conceba sequer a ideia de me salvar pois eu cheguei a ser quem sou e não me decepcionei.

Não preciso de ser curada.

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