"Quando a força da explosão se esvaiu, o universo foi puxado para um esfomeado buraco negro de depressão, sem músicas da Leslie Gore, claro. O mundo que lá se formou está tão abatido que não existem matadouros municipais, os animais suicidam-se enquanto pastam, enquanto se recusam a pastar. As aves deixam-se cair lá de cima. Estilhaçam-se os pára-brisas dos carros parados no trânsito das pontes. E as pessoas desistem de ir trabalhar. Desistem de viver. Os rios tornam-se massas consistentes de corpos inchados, roxos, mais ou menos flutuantes. Os peixes sufocam nos rios atulhados de suicidas e os golfinhos trincam mãos, dedos, orelhas... Guincham com aquela alegriazinha estúpida e logo se deixam cair no fundo dos estuários.
Até os vulcões tossem uma última vez. Vomitam conformados com a situação, como quem sangra sem cessar por cada poro, sem querer realmente saber o que está a acontecer. Um vulcão de cada vez. Cada um atropelando, à velocidade de uma tartaruga das Galápagos desmotivada, aquelas gentes de coração enfermo, que olham o mar como se lá pudessem encontrar a salvação.
As árvores atiram-se ao chão, esmagam tocas e sufocam coelhinhos felpudos, que esperneiam, esperneiam... Quando caem, as árvores fazem-no em câmara lenta, as agulhas dos pinheiros num roçar de tafetás, com o último sopro do vento. A fruta apodrece e espatifa-se, pesada, na erva seca, nas carcaças... Nem os vermes estão motivados para este enorme banquete. Deixaram de ser rechunchcudos e esbranquiçados. Ficam no chão, ao sol, parados, de barriga para o ar, a morrer de boca aberta.
Parece-me que todo o nosso universo se encontra num estado comatoso terminal.
Resta-me pedir o aplauso dos universos paralelos que assistem à nossa degradação. Basta-me agradecer-lhes por terem ficado até ao fim."