9 de janeiro de 2009

Erik Satie

Não encontro nenhuma razão lógica para a minha mente insistir em auto-violar-se com coisas sem importância. E diga-se, é uma violação violenta, com mãos a taparem as bocas que gritam e dentes a esfaquearem as mãos que tentam calar as manifestações de sofrimento. Muito à 2:37, até com aquele piano dedicado à Mademoiselle Jeanne de Bret...



"Have you found him?
Have you told him everything?
Does he say he feels bad about all this?"

7 de janeiro de 2009

Monarch

"Quando a força da explosão se esvaiu, o universo foi puxado para um esfomeado buraco negro de depressão, sem músicas da Leslie Gore, claro. O mundo que lá se formou está tão abatido que não existem matadouros municipais, os animais suicidam-se enquanto pastam, enquanto se recusam a pastar. As aves deixam-se cair lá de cima. Estilhaçam-se os pára-brisas dos carros parados no trânsito das pontes. E as pessoas desistem de ir trabalhar. Desistem de viver. Os rios tornam-se massas consistentes de corpos inchados, roxos, mais ou menos flutuantes. Os peixes sufocam nos rios atulhados de suicidas e os golfinhos trincam mãos, dedos, orelhas... Guincham com aquela alegriazinha estúpida e logo se deixam cair no fundo dos estuários.
Até os vulcões tossem uma última vez. Vomitam conformados com a situação, como quem sangra sem cessar por cada poro, sem querer realmente saber o que está a acontecer. Um vulcão de cada vez. Cada um atropelando, à velocidade de uma tartaruga das Galápagos desmotivada, aquelas gentes de coração enfermo, que olham o mar como se lá pudessem encontrar a salvação.
As árvores atiram-se ao chão, esmagam tocas e sufocam coelhinhos felpudos, que esperneiam, esperneiam... Quando caem, as árvores fazem-no em câmara lenta, as agulhas dos pinheiros num roçar de tafetás, com o último sopro do vento. A fruta apodrece e espatifa-se, pesada, na erva seca, nas carcaças... Nem os vermes estão motivados para este enorme banquete. Deixaram de ser rechunchcudos e esbranquiçados. Ficam no chão, ao sol, parados, de barriga para o ar, a morrer de boca aberta.
Parece-me que todo o nosso universo se encontra num estado comatoso terminal.
Resta-me pedir o aplauso dos universos paralelos que assistem à nossa degradação. Basta-me agradecer-lhes por terem ficado até ao fim."

00:04

Adoro citar-me e parafrasear-me porque, no fundo, nem eu posso negar a minhar titânica genialidade e a intemporalidade dos meus pensamentos.

"A intelectualidade cansa tanto o corpo como as vindimas. Estou incapaz de continuar. Gostava de ter tido companhia hoje, para abafar os barulhos da casa. Ou o do silêncio.
Mas parte-se-me a alma em dois com esta solidão e tudo o que escorria por ela abaixo dispersa-se alarmantemente pelo universo. Um dilúvio galáctico. Embate em planetas, desvia cometas, cria forças gravitacionais que fazem o Sistema Solar dançar qual rancho folclórico do outro lado da estrada, em frente à casa da minha avó. Depois de tanta actividade, só pode restar a inércia."

6 de janeiro de 2009

Lebensessenz

De há nove meses a esta parte que padeço de uma afecção gravíssima: estou viva.
Derrotada pela minha própria incompetência, vou deambulando, com mais ou menos sucesso, dependendo das companhias, entre a cama e o pouco do mundo real que conheço. Observo, com um encolher de ombros estoicamente desinteressado, que se me lascam os dedos de uma tentativa de me entregar a algo de que penso que já desisti. Observo como eu própria me subtraio de mim mesma, com aquela falta de jeito de quem nunca soube fazer contas de cabeça.
Perco-me.
Sou cada vez menos eu.
Encontro-me cada vez com menos frequência nas minhas fotografias, nos meus sorrisos e posturas. Não que pareçam gastos. São apenas mais pesados, desinteressantes. Desprovidos de qualquer tipo de serenidade, ainda que teatralizada.

Entretanto, parece-me que, até hoje, me tinha recusado a acreditar naquilo que para mim roçava a melhor mitologia urbana dos anos '90. Mas, ao que parece, existem rádios suficientemente maléficos para me comerem, com sofreguidão inaudita, a minha cassete predilecta. Acabou-se o piano de parede dorido. Quase derramei uma lágrima bem sentida quando tive aquele cadáver de música, com as tripinhas pretas cá fora, enrolado na mão.

Ainda assim, parece que cassetes mortas são, actualmente, o meu problema mais grave.