Recentemente, num momento de profunda fragilidade emocional e da mais perfeita amnésia, vi-me envolvida num remoinho de emoções que incluía culpa, insuficiência, dúvida e uma espécie de saudade pelo que não foi nem nunca seria - misturado na AirFryer fica super estaladiço. Foram cerca de cinco meses disto, com contracturas à mistura e pedaços de pele seca no braço direito. Um dia, depois de uma conversa com uma daquelas pessoas valiosas, munida dos seus truques profissionais, acordei com uma revelação: o Miguel é um banana e sempre o foi.
A pessoa que eu era, em 2008, sabia isto muito bem. Talvez não tenha tido a capacidade de lidar com esta informação do modo mais saudável ou eficiente, mas sabia-o indubitavelmente. A esta distância, com alguma amnésia ainda, chamar-lhe-ia instinto. Na altura, chamar-lhe-ia rescaldo.
O meu rescaldo foi adormecido por seis anos de medicação desadequada e mais onze de um vai e vem emocional nem sempre fácil de gerir. E, no fim, afinal, eu tinha só uns fios ligados de um modo diferente e não precisava de ter estado drunfada daquele modo.
A versão e a percepção da história pode divergir consoante o interlocutor. Mas, agora, reencontro-me com a pessoa que eu era em 2008, numa mesa de um café, chazinho quentinho nas mãos - porque é Maio mas Maio no Minho à beira-mar não rima com Esgaio, rima com "miséria de tempo" - olhamos uma para a outra, abanamos a cabeça em jocoso descrédito e dizemos "O Miguel é e sempre foi um banana".
Isto porque quem não é banana, é bastante mais claro nas suas intenções e no modo como comunica; abstém-se de subterfúgios e de paternalismos. Quem não é banana abstém-se de comparações elogiosas e de promessas venerativas que não se concretizam. Quem não é banana, sabe manter a distância. E quem não é banana não é, em última análise, um sonso disfarçado de intelectual simpático.
Mais informo que, de todas as pessoas potencialmente bananas com quem me envolvi emocionalmente, esta espécie de banana - o banana de Massamá - foi a única na minha vida que desrespeitou uma preocupação minha no campo íntimo. Se concordei, no final, e segui a minha vida? Sim. Mas olhando para trás, o Banana de Massamá foi o único ao nível daquele tipo de irresponsabilidade. Para, depois - pasmemo-nos! - adormecer qual morsa, ressonando sonoramente, de costas viradas para mim, quase todas as vezes. As vezes em que não o fazia era porque tinha de ir a algum lado ou de pôr Jeff Buckley a tocar, ou a banda sonora da Guerra das Estrelas.
E se aquilo que, inicialmente, me tinha parecido compostura perante a minha tentativa de acabar com a minha própria vida, a esta distância parece-me, apenas, indiferença e desapego. As pessoas próximas de mim ou me ralharam ou ficaram profundamente assustadas. Mas o Banana de Massamá não. E, como parece impossível extrair-lhe qualquer informação honesta, completa ou sentida, nunca saberemos a versão dele da história.
Ainda para mais porque eu "não estava nem estou numa posição de receber uma resposta justa". Ora vejamos: eu estou sentada, tenho as minhas tensões controladas e estou hidratada. Tenho um ouvido apuradíssimo. Parece-me que reúno a posição e as condições para ouvir tudo e mais alguma coisa. Aliás, não há nada que um banana me possa dizer que eu já não tenha dito a mim própria pelo menos uma vez. O bom e o mau. Por isso, estamos apenas perante um caso de "eu não quero" - válido - e não tanto de "não se reúnem as condições atmosféricas para procedermos à divulgação desta informação dolorosa e ofensiva". Falta aqui aquela pontinha de frontalidade do Norte "Oh pah, não me fodas o juízo com isso. Já não és crescidinha?". E eu pensava "Ora foda-se, este banana até tem razão".
Só que a fruta, natureza morta, nunca foi muito boa a expressar-se e, no fundo, com o tempo, só acaba por apodrecer.
Miguel Paisana Morais Miguel Paisana
