Vizualize-se. Uma pele tão ebúrnea que o sistema circulatório fica exposto sem piedade.
Vizualize-se. A remoção do último tom rosado dessa pele com a passagem de um algodão embebido, embriagado, em água oxigenada.
Vizualize-se. Uns lábios tão vermelhos e carnudos que destoam da expressão cadavérica do olhar, da compressão ressentida, duramente ressentida, de um maxilar contra o outro. Até que se sentem os microscópicos estilhaços do esmalte.
Vizualize-se. A saliência doentia de cada osso que pode sobressair. O desgaste da pele, qual tapete espezinhado, a querer romper onde o cálcio empurra.
Vizualize-se o desespero que é vizualizar tal coisa. Sinta-se, no fundo da mente, um grito surdo e escancarado. Saboreie-se aquela saliva com a consistência de açúcar líquido mas com a amargura do desespero infundado.
Sinta-se, no fundo da alma, sem pena nem compaixão, o nó na garganta, que castra o pensamento e a vontade.
Ouça-se o gemido trémulo e angustiado.
Conseguem agora sentir o cheiro a cadáver?
Silêncio
Há 1 ano
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